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Dia Internacional da Mulher: tarefas do lar são reconhecidas como tempo de serviço para aposentadori

Em virtude deste 8 de Março (Dia Internacional da Mulher) e com o intuito de contribuirmos para a reflexão da passagem, o Escritório Espedito Fonseca Advogados e Advogadas Associados entrevista Lucimara Reis*

EF-AdvA / Lucimara, desde já agradecemos sua atenção, obrigado por conversar conosco.

Temos aí mais um 8 de Março, e dentre o conjunto de lutas/reflexões que a passagem nos traz, gostaríamos de ressaltar uma importante vitória para luta das mulheres (e de toda a sociedade) na Argentina: nuestras hermanas – que em dezembro de 2020 conquistaram a descriminalização do aborto – agora conseguiram conquistar (do governo) a apresentação oficial do “Programa Integral de Reconhecimento de Tempo de Serviço por Tarefas Assistenciais”, que – segundo informou a Administração Nacional de Seguridade Social (Anses) – “ beneficiará as mulheres que precisaram largar o emprego para se dedicar exclusivamente aos cuidados maternos, assim como as mulheres com mais de 60 anos que ainda não tinham somado o tempo mínimo de contribuição para se aposentar”. E durante um evento, a diretora-executiva da Anses, Fernanda Raverta, classificou a

Lucimara 1 2022-03-02

medida como “uma forma de reparação das desigualdades estruturais que as mulheres enfrentam ao longo da vida”[i].

EF-AdvA / PERGUNTA: Ressaltamos a conquista para trazermos ao centro a questão do trabalho doméstico, que foi transformado/naturalizado como um atributo natural da mulher, ao invés de reconhecido como trabalho. Neste sentido, como enxerga e dimensiona esta vitória das hermanas?

Lucimara / É uma vitória para toda classe operária, falo do ponto de vista do feminismo a que me filio: Classista e emancipatório. O reconhecimento de direitos quanto ao trabalho realizado na esfera da reprodução social e reprodução da vida, significa além do reconhecimento dessa forma de trabalho, e, portanto, busca de direitos e regulamentação, o reconhecimento que aquelas que o executam de forma majoritária são pertencentes a classe trabalhadora, sem elas (nós) não há transformação social real. A regulamentação por parte do Estado argentino é uma vitória e deve ser comemorada, exemplo de como o avanço organizativo das mulheres traz ganhos de consciência civilizatória. Não é muito distante o imaginário que sequer cogitava a possibilidade deste tipo de reconhecimento. Vale ressaltar, que ele se dá na contagem de tempo para aposentadoria, ainda temos muito chão pela frente, lá e aqui na correção das distorções das relações de trabalho entre homens e mulheres e aquelas que se identificam com o gênero feminino.

EF-AdvA / Conforme relatório publicado pela Oxfam em janeiro de 2020, estimasse que pelo menos 12,5 bilhões de horas, a cada dia, são dedicadas ao trabalho doméstico pelo mundo. Esse trabalho realizado gratuitamente por meninas e mulheres com mais de 15 anos agrega cerca de US$ 10,8 trilhões por ano à economia. Quase metade dessa população, 42%, não consegue emprego porque ocupa todo seu tempo com trabalho de cuidado e do lar – o que só acontece com 6% dos homens.”

EF-AdvA / PERGUNTA: Como se dá esta realidade aqui no Brasil? Temos números e estudos? O que eles nos dizem? Como estamos (no Brasil) a respeito desta luta para a desnaturalização/reconhecimento do “trabalho doméstico” enquanto “trabalho não remunerado”, e por conseguinte a possibilidade de conquista de uma política pública como “uma forma de reparação das desigualdades estruturais”? O que você destacaria como principais desafios para avançarmos na conquista destes direitos?

Lucimara / Essa é uma realidade que no Brasil se agrava ainda mais pela racialização da realização desses trabalhos, que implica em sua terceirizados de forma ainda mais precária. Lembremos que a chamada PEC das domésticas só foi aprovada pelo senado em 2013 e sancionada por Dilma Rousseff em 2015. No Brasil até hoje, construtoras tem como parte de suas plantas a DCE (dependência completa de empregada) ou, também conhecida por extensão da senzala em sua casa, visto que majoritariamente é um trabalho realizado por mulheres pretas, indígenas e na atual conjuntura migrantes. E estamos falando de um trabalho reconhecido como exterior ao lar de quem o realiza, em que se “contrata” alguém. Apesar da regulamentação, grassam os contratos irregulares, pois a fiscalização é inexistente (não nos esqueçamos do desmonte do ministério do trabalho). Se falamos da carga de trabalho que envolve o ambiente de domicílio, o não reconhecimento é tácito. Qual mulher que se dedica aos cuidados da família e do lar já não foi vaticinada como não trabalhadora?

Os estudos envolvendo a feminilização dos trabalhos de reprodução social e feminilização do cuidado não são recentes, porém tem ganhado novo fôlego. Com o advento da pandemia houve o reconhecimento, ainda incipiente, que a feminilização do cuidado revela rebaixamento nos salários de categorias como enfermeirxs, professorxs entre outras.

A grande questão, me parece, é que o sujeito feminino é escondido nestas relações de trabalho, ou melhor dizendo, as relações de trabalho são esvaziadas pelo preenchimento da mística do cuidado inerente ao feminino e ao amor maternal incondicional, fazendo com que o sujeito social mulher desapareça nessa relação que transparece ser uma relação não capitalista. Pode não o ser no sentido clássico (donos dos meios de produção versus venda da força de trabalho), porém é componente desta dinâmica visto que recompõem a força de trabalho, por meio do trabalho não remunerado. A falta de dados no Brasil sobre essa temática específica (forma e uso do tempo relacional entre homens e mulheres) diz muito sobre o tamanho da nossa luta. Na PNAD contínua de 2019, no módulo: outras formas de trabalho, pode-se buscar elementos para verificação do tempo, porém sem precificação de valor para estes trabalhos. Numa quadra de crise e retração das economias capitalistas, o receituário é o da aniquilação de direitos, nos cabe a resistência para o avanço, que esta resistência seja inclusiva, se não o for nossa luta enquanto classe padece.

* Lucimara Reis: Licenciada em História pela UFJF e mestre em Serviço Social pela mesma instituição; Militante do Fórum 8M Juiz de Fora; Mãe, feminista, antirracista e anticapitalista.

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