top of page

DOS GOLPES E PERDAS DE DIREITOS

“Toda vez que há um avanço na sociedade, toda vez que tem um governo que está pensando em melhorar a vida do povo, aparece a desgraça de um golpe… É sempre assim, e com apoio da elite brasileira, com o apoio daqueles que querem tirar direito do povo trabalhador.”[1]

Falar sobre o “Golpe de 64” (que instaurou uma ditadura civil-militar), ocorrido na passagem do dia 31/03 e 1º de Abril de 1964, é sempre instigante e desafiador: sempre vão aparecendo novos estudos, artigos, enfoques, denúncias e inquéritos, dentre outros, e nos instiga a busca constante em conhecê-los, o quanto mais pudermos; desafiador pois diante do rico acervo já produzido é difícil tentar o novo ângulo para abordar o fato histórico, mas, mais desafiador ainda para nós, é conseguirmos nos somar aos esforços dos que ajudam a construir e manter viva – na memória coletiva da sociedade – o que significou o Golpe (efeitos e sequelas) para a maioria do povo brasileiro, e como a compreensão daquele período pode nos servir, nos instrumentalizar, na superação do atual cenário político brasileiro.

Não traremos fatos novos, pois os que já existem (principalmente depois da Comissão Nacional da Verdade) merecem ainda ser compreendidos, desnudados. Gostaríamos de organizar nosso enfoque a partir da lapidar fala do ex-presidente Lula (na epígrafe no início do texto) e buscar trazer (à memória) quem foram os principais artífices do Golpe de 64 e seus reais objetivos, isto é, quais os segmentos sociais e econômicos que arquitetaram o golpe e apoiaram a ditadura, e quais eram os avanços e conquistas (no tocante aos direitos econômicos-sociais) que foram perdidos/estancados com a instauração dos 21 anos da ditadura civil-militar que se impôs sobre o Brasil. E o qual relação podemos fazer com o Golpe que retirou a presidenta Dilma, seus motivos, efeitos e sequelas, que ainda recaem sobre o povo trabalhador. Vejamos…

O Golpe de 64

João Goulart (Jango) trilhava um governo voltado à promoção da justiça social e da soberania nacional. Implementava uma política de valorização dos direitos trabalhistas, de defesa das reformas de base — dentre as quais destacamos, a reforma agrária (permitia a quebra do monopólio oligárquico da terra – dos grandes latifúndios, aumentava a oferta alimentar e travava do êxodo rural); a reforma urbana (regulamentava socialmente o uso dos espaços das cidades); a reforma tributária e fiscal (visava assegurar a racionalização das principais fontes do fundo público – historicamente saqueado pelas elites); a reforma bancária (tentava limitar a remessa dos lucros do capital estrangeiro para fora do país  e instituía um sistema de crédito com capacidade de subsidiar o financiamento da industrialização do país); E somado a isso, praticava uma política de independência nas relações exteriores.

Por certo, o governo do presidente Jango desagradou conjuntamente aos interesses da burguesia brasileira associa ao capital estrangeiro. Como nos lembra NETO,

“O golpe não foi puramente um golpe militar, à moda de tantas quarteladas latino-americanas [...] — foi um golpe civil-militar e o regime dele derivado, com a instrumentalização das Forças Armadas pelo grande capital e pelo latifúndio, conferiu a solução que, para a crise do capitalismo no Brasil à época, interessava aos maiores empresários e banqueiros, aos latifundiários e às empresas estrangeiras (e seus agentes, ‘gringos’ e brasileiros)”[2]

O Golpe foi a resposta às possibilidades de re­formas e avanços sociais. Por meio da violência, os setores reacionários desencadearam prisões de lideranças (sindicais, estudantis, religiosas), torturas, assassinatos, e passaram a governa mediante Atos Institucionais, modificando a própria Constituição, tornando letra morta a Carta Magna “republicana-democrática” de 1946, até sua total inexistência com a imposição da autocrática Constituição de 1967, que legitimava o Golpe iniciado em 64.

A ditadura instaurou um regime de terror de Estado e atuou radicalmente para barrar as pretensões de conquistas econômicas e sociais do governo Jango. Vale lembrar que, de cara, o governo de Castelo Branco: revogou a Lei de Remessa de Lucros, revogou o decreto que desapropriava terra às margens das estradas para a reforma agrária, revogou a nacionalização das refinarias particulares, restringiu o crédito às pequenas e médias empresas, estabeleceu o arrocho salarial.[3] Com base nos poderes conferidos pelo artigo 10 do Ato Institucional nº1 (só nos 2 primeiros meses) cassou e suspendeu os direitos políticos de 378 pessoas (entre as quais três ex-presidentes, Juscelino, Jânio e Jango), seis governadores e 55 membros do Congresso Nacional; demitiu 10 mil funcionários públicos e  abril cerca de 5 mil inquéritos sumários, envolvendo 40 mil pessoas.[4]

Para termos uma ideia da profundidade das mudanças operadas, é só observamos o conjunto de leis, decretos-leis, normas e portarias editadas nos primeiros anos. De abril de 64 a novembro de 66, passaram a vigorar “838 leis, 5.685 decretos-leis, 3 atos institucionais, 24 atos complementares, 41 resoluções do Banco Central, 476 regulamentos e 99 circulares do Ministério da Fazenda”.[5]

Como parte da encenação golpista, o governo militar logo publica um “esclarecimento” com os seguintes pontos:

“1 – A Revolução vitoriosa levada a cabo pelas Forças Armadas, com apoio do povo, Considera irreversíveis as conquistas sociais legítimas contidas na legislação trabalhista em vigor; 2 – Os trabalhadores continuarão em pleno gozo de seus direitos, agora mais do que antes, porque estão livres da influência político-partidária; 3 – A Justiça do Trabalho permanece em pleno funcionamento em sua missão de defesa dos justos interesses e de harmonizar as divergências entre empregados e empregadores; 4 – O Comando Supremo da Revolução está certo de que os trabalhadores brasileiros saberão não dar ouvidos a estes boatos, desprezando os elementos perturbadores, saberão cumprir seus deveres e obrigações, inseparáveis que são dos direitos constantes da legislação trabalhista brasileira”.[6]

Mas a falácia facilmente cai por terra, e a intenção dos militares de rever a legislação trabalhista e de conter o movimento sindical fica explícita, em 1º de julho de 64, é publicada a Lei nº 4330, a famigerada “lei antigreve”, proibindo a greve no serviço público, nas empresas estatais e nos serviços essenciais, e determinava que a greve só seria legal quando ocorre-se por atraso ou não pagamento do salário, ou ainda quando os salários não fossem pagos conforme as decisões judiciais.

Olhando apenas os preceitos pertinentes aos direitos materiais (625 artigos), a ditadura acabou, praticamente reescrevendo a CLT (Consolidação das Lei do Trabalho): até final de 1968, foram alterados e/ou revogados os textos de 235 artigos, além daquelas incursões feitas por meio de legislações específicas.[7]

Das alterações ocorridas nas leis trabalhista, dentre várias, ressaltamos ainda:

– Lei nº 4.749, de agosto de 1965, fixou o parcelamento no pagamento do 13º Salário (criado em 62, no governo João Goulart) e o Decreto nº 57.155, de novembro do mesmo ano, estabeleceu a fórmula válida até hoje: 1ª metade entre fevereiro e novembro e a 2ª metade até o dia 20 de dezembro;

– Lei nº 4923, dezembro de 1965, instituiu a política do “arrocho salarial” (marca conhecida deste período ditatorial), que a pretexto de estabelecer “medidas contra o desemprego”, trouxe novas fórmulas para redução de direitos trabalhistas, atingindo diretamente os salários, possibilitando a sua redução (até 25%), mesmo sem anuência dos trabalhadores ou de seus sindicatos.

– Lei nº 5.107/66, que criou o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), grande retrocesso, pôs fim ao artigo 429 da CLT, que garantia estabilidade aos trabalhadores após dez anos de trabalho na mesma em presa, estimulando a alta-rotatividade da força de trabalho;

– Lei nº 5.316/67, que passou a isentar o empregador de responsabilidade quanto ao acidente de trabalho, ficando o acidentado com o ônus pela lesão física e, e o Estado, com o dever de ampará-lo temporária ou definitivamente;

– Decreto-lei nº 507, de março de 1969, que incluiu no art. 530 da CLT, o inciso VII, para impossibilitar de serem eleitos como Diretor do Sindicato, os que tivessem “má conduta, devidamente comprovada”;

– Lei nº 6.019, de janeiro de 1974, que sob a legação de ser uma solução para resolver momentaneamente a falta de emprego permanente nos principais centros urbanos do país, criou o “trabalho temporário”, e beneficiava os empregadores na forma de incentivos fiscais (reduzindo os encargos sobre o emprego), para os que aderissem aos dispositivos da nova lei;

– Lei nº 6.200, de abril de 1975, que alterou o artigo 514 da CLT, reforçando a lógica de intervenção do Estado na atividade sindical, atribuindo ao sindicato uma função puramente assistencial, e acrescentou ao artigo (que tratava dos “deveres” do sindicato) a letra “d”, com o seguinte teor: “d) sempre que possível, e de acordo com as suas possibilidades, manter no seu quadro de pessoal, em convênio com entidades assistenciais ou por conta própria, um assistente social com as atribuições específicas de promover a cooperação operacional na empresa e a integração profissional na Classe.”[8]

O pacote golpista também se manifestou na política econômica dirigida abertamente contra a massa salarial da classe trabalhadora, sobre a qual se descarregou o custo do chamado “Milagre Econômico”. E foi pelo PAEG (Programa de Ação Econômica do Governo 1964/1966), implementado logo após o golpe militar, que consumou se o “arrocho salarial”. O DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos), no documento “Estudos Socioeconômicos: Dez Anos de Política Salarial” (1975), nos aponta os resultados práticos do arrocho, suas distorções e suas consequências, tanto para os salários em si como na distribuição de renda. Ele também nos informa que “o controle dos salários era, segundo a justificativa oficial, uma das principais formas de atenuar os efeitos da evolução dos salários do período anterior a 1964 na alta dos preços.”[9]

A fixação dos reajustes foi utilizada como instrumento de maximização da exploração da força de trabalho, um meio para realizar a “acumulação predatória” (pagamento de salários abaixo do valor da força de trabalho). O ar­rocho, garantiu a superexploração dos trabalhadores para a multiplicação dos lucros capitalistas

“A superexploração dos trabalhadores revela-se com inteira clareza se se considera o tempo de trabalho necessário para a aquisição da ração alimentar (definida em 1938, quando da criação do salário-mínimo): se, para comprá-la em 1963, o trabalhador que recebesse o salário-mínimo devia laborar por 98 horas e 20 minutos, para fazê-lo em 1967 teria que laborar por 105 horas e 16 minutos”.[10]

O Golpe contra Dilma

“É o segundo golpe de estado que enfrento na vida. O primeiro, o golpe militar, apoiado na truculência das armas, da repressão e da tortura, me atingiu quando era uma jovem militante. O segundo, o golpe parlamentar desfechado hoje por meio de uma farsa jurídica, me derruba do cargo para o qual fui eleita pelo povo.”[11]

Dilma

Foi como, na tarde do 31 de agosto de 2016, logo após o golpe ser ratificado pelo Senado, se manifestou a ex-presidenta Dilma Rousseff. Sua fala traduz uma realidade de nossa história política: desde a instauração da república as elites brasileiras nunca passaram mais de uma geração (+ 40 anos) sem romperem a ordem constitucional vigente (diga-se de passagem, que elas mesmo moldaram) e os pactos democráticos estabelecidos (mesmo que simulacros de democracia). E foi o pacto construído à duras penas (após os 21 anos da Ditadura civil-militar), pacto que emergiu das lutas contra o arrocho salarial, contra a carestia, pelas liberdades democráticas, que embalou a campanha “Diretas Já” e forjou os avanços inscritos na “Constituição Cidadã” de 1988.

Como também nos mostram os fatos históricos, os golpes são implementados para radicalizar a usurpação de direitos da classe trabalhadora, do saque aos fundos públicos, de nossas riquezas estratégicas, e nossa soberania. E como regra, estes golpes sempre recaem sobre os governos que decidem atender aos anseios da população trabalhadora, e os governos Lula e Dilma assim faziam. No período 2003 a 2014 vemos que: 28 milhões de brasileiros foram retirados da linha da pobreza; foram criados quase 20 milhões de empregos com carteira assinada (recorde sem precedentes no país); implementou uma gama programas (Fome Zero, Bolsa Família e fortalecimento da Agricultura Familiar) reduzindo em 82% a fome, retirando o Brasil do Mapa da Fome das Nações Unidas; criou os programas Mais Médicos (levando o atendimento médico para as periferias e os rincões do país), Minha Casa Minha Vida, Luz Para Todos, ProUni, PronaTec, Pronaf, Programa de Cisternas, dentre  outras ações; a taxa de desemprego despencou de 10,5%, em 2002, para 4,3%[12]; implementou uma política de valorização do salários, fazendo com que – de abril de 2003 a janeiro e 2016 – o salário mínimo tivesse uma aumento real (acima da inflação) de 59,21%[13].

Confira nas tabelas abaixo.

Evolução valor Salário em relação à inflação no Brasil / Dieese/IBGE

TABELA DIEESE VALORIZAÇÃO SALARIO MINIMO 2003 A 2022

a política salarial garantiu aumento real no índice ano a ano / Dieese/IBGE

TABELA DIEESE AUMENTO REAL SALARIO MÍNIMO 2003 A 2022

Uma rápida mirada nas tabelas acima, e constatamos o efeito golpista (hoje, como lá em 64) novamente “arrochando os salários”, ampliando a espoliação sobre as classes trabalhadoras. Fica mais nítido ainda se tomarmos como base os dados sobre a jornada de trabalho necessária para a compra dos alimentos essenciais (cesta básica), tomando por base o trabalhador remunerado pelo salário-mínimo: em dezembro de 2014 (2º Governo Dilma), na média das capitais pesquisadas, era necessário 93 horas e 39 minutos de labor para aquisição da cesta básica[14]; já em outubro de 2021 (com Bolsonaro), o tempo médio necessário para adquirir os produtos da cesta, ficou em 118 horas e 45 minutos (média entre as 17 capitais), maior do que em setembro, quando foi de 115 horas e 02 minutos.[15]

Sem adentrarmos na miríade de alcunhas que o golpe contra presidenta Dilma já ganhou (parlamentar, jurídico-parlamentar, midiático-jurídico-parlamentar etc.), gostaríamos de ressaltar as características dos (golpismos) tempos atuais, os “tanques nas ruas de 64” foram substituídos por Tribunais (Lawfare) e/ou parlamentos, com objetivo de tutelar e substituir a decisão popular das urnas Aliás, estas mesmas “Duas Pinças” tem agido pela América-latina, foi assim com Manuel Zelaya (Honduras, 2009), Fernando Lugo (Paraguai, 2012), Dilma (2016), Evo Morales (Bolívia, 2019), e aconteceu agora (22/03) a tentativa com Pedro Castillo (Peru, 2022).

Conforme explica a Advogada e militante da ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia), Carol Proner, o conceito de Lawfare não é novo,

“(...) o que parece novidade é a forma como tem sido engendrado pelos militares norte-americanos para definir novas estratégias de combate por intermédio do direito. Um dos principais autores de referência é o é o general Charles J. Dunlap, aposentado da Força Aérea dos EUA, que descreve lawfare como um método de guerra não convencional pelo qual a lei é utilizada como meio para alcançar um objetivo militar (...) nesse sentido, é uma estratégia central na combinação de meios e métodos de combate jurídico para tornar possíveis os planos geoestratégicos de disputa econômica e política, valendo-se da produção da instabilidade que somente o implacável combate à corrupção é capaz de produzir.”[16]

Levando em conta os interesses geopolíticos mundiais, não podemos deixar de associar o golpe à descoberta pelo Brasil de imensas reservas de petróleo na chamada camada do Pré-Sal, que levou Lula a mover esforços e aprovar no Congresso Nacional a Lei nº 12.304, de 2 agosto de 2010, criando a Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural S.A. – Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA). Lembram do grampo no celular da presidenta Dilma feito pelo EUA, de Barack Obama? Não foi por acaso que, após o golpe (2016), a lei do Pré-Sal é atacada pelo “usurpador Michel Temer” com a edição da Medida Provisória nº 811 de 2017, e em 2018 é novamente alterada (contra os interesses nacionais) pela Lei nº 13.679.

Mas se vão alterando e/ou sofisticando métodos golpistas, o que não conseguem é apagar na história (até tentam, contando outra nos livros das escolas militares…) são as digitais das facções golpistas, sejam elas aquelas que atuaram abertamente ou aquelas que atuaram nos subterrâneos. O roteiro desenhado teve como destaque as figuras de Aécio Neves, Eduardo Cunha, o usurpador Michel Temer, o “Pato de FIESP”… além é claro, do legislativo federal (o mais reacionário desde os anos 60) dominado pela chamada “bancada BBB” (do boi, da bala e da bíblia), que ainda é maioria no Congresso hoje, e continua atuando contra os direitos povo trabalhador, contra a soberania e a democracia. São esses os mesmos grupos políticos que deram sustentação ao projeto “Ponte para o Futuro”, que foi a “prestação de contas” apresentada pelo usurpador Temer logo após golpe de 2016. Para o professor Diorge Konrad, não restam dúvidas dos recebedores deste acerto. Escreve ele:

“[...] foi um golpe de classe do capital, dirigido pelos rentistas do capital financeiro e por frações de classe da burguesia industrial, agrária e comercial brasileira e seus aliados internacionais, contra as trabalhadoras e os trabalhadores do Brasil, com apoio de setores importantes da classe média conservadora, a fim de ampliar seu projeto neoliberal de privatizações, terceirizações e reforma trabalhista e previdenciária, assim como neutralizar a resistência ideológica através de ideias religiosas pentecostais (através da chamada “ética da prosperidade”) no seio das camadas mais pobres da classe trabalhadora, bem como difundir ainda mais ideais irracionalistas e antipolíticos nas camadas médias, sobretudo nos meios acadêmicos. O aprofundamento da criminalização dos movimentos sociais é parte estratégica do próprio Golpe, pois é preciso destruir quaisquer flancos de resistência organizada dos trabalhadores.”[17]

Conforme o desenrolar do cenário, onde o golpe contra Dilma foi o ato inaugural, nos episódios seguintes vão soerguendo outros partícipes da sórdida trama. O golpe passa contar (abertamente) com a contribuição da (lawfare) “Operação Lava Jato”, que anabolizada pelos “grandes grupos de mídias” do país, explorou aquele velho caldo lacerdista do “combate a corrupção” e impôs a regra da justiça do inimigo. A máquina do “punitivismo jurídico” foi acionada numa velocidade nunca vista e foi se pavimentando o caminho para Estado de exceção, do impeachment de Dilma na Câmara (17/04/2016) até o dia 7 de abril de 2018 com a arbitrária prisão do ex-presidente Lula.

“O ato seguinte ao golpe do impeachment foi a prisão do Lula”, disse, rememorando um fato de abril de 2018. “Ali, o que se queria era inviabilizar a possibilidade dele vir a ser candidato. E, portanto, estaria garantido o processo de reprodução do próprio golpe. Ora, se o Lula é eleito, o golpe seria interrompido. Mas, não bastou prendê-lo. Afinal, ele não perdeu a popularidade que desfrutava. Ainda era competitivo. E não perdeu a confiança do povo. Daí então, passa-se a um novo ato do golpe: a interdição de Lula do processo eleitoral. Ele é condenado, preso e, finalmente, tiraram-no das eleições de 2018. Não pode falar e nem fazer campanha. O golpe foi se aprofundando.” (DILMA, 2021)[18]

Outro grupo que também surge no cenário pós golpe de 2016 foram os Militares (o “partido militar”). É pelas mãos do usurpador Temer que os militares voltam a participar do Poder Executivo, trazendo o General Sérgio Etchegoyen para o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, depois lhe encarrega o Ministério da Defesa, o que até então nunca tinha ocorrido. Porém, a participação militar desnudou-se por completo com o famoso Twitter do [então comandante do Exército] General Eduardo Villas-Boas, em 2018, na véspera do julgamento do habeas corpus do Lula pelo STF”. Vale reler o tom sedicioso do General:

“Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”, escreveu Villas Boas, que antes havia iniciado o registro com uma pergunta. “Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?”[19]

Com a chegada de Bolsonaro à presidência, a caserna embarga com os dois pés na canoa do governo e no poder central da República, sagrando a estratégia de tomada do poder pelo “partido militar”. Vale também recorda o discurso (grotesco) proferido pelo Deputado Federal Jair Bolsonaro, no plenário do Congresso, em 2016, no dia do impeachment de Dilma. Vociferou...

“Perderam em 64, perderam agora em 2016. Pela família e pela inocência das crianças em sala de aula, que o PT nunca teve. Contra o comunismo, pela nossa liberdade, contra o Foro de São Paulo, pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff. Pelo Exército de Caxias, pelas nossas Forças Armadas, por um Brasil acima de tudo e por Deus acima de todos, o meu voto é sim.”[20]

Fato é que o Golpe de 2016 tornou possível o retorno do receituário neoliberal/ ultraliberal. Entre os governos Temer e Bolsonaro há uma convergência comprovada pela aprovação de leis e proposição de projetos visando: o desmonte do Estado, das políticas públicas econômicas e sociais que conformavam um arcabouço protetivo voltados as camadas populares; a retirada de direitos e conquistas trabalhistas históricas, como a CLT; a entrega de nossas riquezas estratégicas aos interesses do Mercado etc.

Relacionamos aqui os principais ataques perpetrados

– EC (Emenda à Constituição) nº 95, ainda em 2016, a “PEC do Teto de Gatos”, que congelou as despesas primárias do governo por 20 anos, o que significou retirar os pobres da Orçamento Público, numa radicalização das elites econômicas brasileira, que historicamente sempre abocanharam (a maior fatia) dos recursos públicos em detrimento das necessidades da população;

– Lei nº 13.429/17, permitiu terceirização irrestrita (tanto na atividade meio quanto na atividade-fim) e precarizou as relações de trabalho dos terceirizados, sujeitando os (ainda mais) a salários menores, alta rotatividade, jornadas mais longas, pulverização sindical, acidentes e doenças ocupacionais, dentre outras mazelas;

– EC nº 103 (Reforma da Previdência) de 2019, que grosso modo, significou para os trabalhadores da iniciativa privada e os públicos regras mais duras e inacessíveis para obtenção da aposentadoria e outros benefícios previdenciários;

– Lei 13.467 (Reforma Trabalhista) de 2017, essa inegavelmente foi a fatura mais cara do acerto de contas de Temer com apoiadores do golpe: entregou com menos custos e obrigações para as empresas e menos direitos para os trabalhadores e trabalhadoras. A “contrarreforma trabalhista” de caráter liberalizante e regressivo, criou a possibilidade de prevalência de acordos e convenções coletivas sobre a legislação, isto é, trouxe paras regras de regulação da relação capital-trabalho a lógica de que elas possam ser ajustadas via acordo individual, podendo inclusive (o acordo) ser redutor de direitos. É a total prevalência do negociado sobre o legislado, salvo aqueles direitos inscritos na constituição. A reforma neoliberal do usurpador Temer foi o desmonte do sistema vigente, no qual os acordos, mesmo os coletivos, não poderiam reduzir direitos definidos em lei, havia a irrenunciabilidade de direitos assegurados por normas de ordem pública. E na falsa promessa de “modernização”, precarizou-se as relações trabalhistas em diversos aspectos. Buscamos, bem resumidamente, listá-las.[21]

Instituiu ou regularizou diversas modalidades de contratos precários – legalizou o contrato de trabalho intermitente, ampliou os limites de contrato em tempo parcial, liberou o uso de contrato de trabalho “autônomo exclusivo”, sem reconhecimento de vínculo;

– Incentivou a chamada “pejotização” do trabalho, com o trabalhador contratado como empresa, com menos direitos;

– Facilitou o desligamento por meio de diversos mecanismos – retira a obrigatoriedade de que as rescisões contratuais de empregados com mais de um ano na empresa tenham, como condição de validade, a assistência sindical;

– Estabeleceu a rescisão de “comum acordo”, com corte de 50% no aviso prévio, sem direito a seguro-desemprego;

– Facilitou a dispensa imotivada etc.;

– Alterou regras sobre jornada de trabalho – regulamentou a jornada 12/36 horas; eliminou a remuneração dos períodos de deslocamento dentro da empresa ou para empresas de difícil acesso; permitiu a extrapolação do limite de 10 horas diárias; possibilitou acordos individuais para bancos de horas e para teletrabalho etc.

Foi uma reforma atacou os trabalhadores e suas organizações sindicais – dentre os ataques estão: o fim da contribuição sindical obrigatória e a imposição de obstáculos e dificuldades para a cobrança de outras formas de financiamento; a eleição de representação de trabalhadores sem o acompanhamento dos sindicatos; a negociação de acordos e o encerramento de contratos sem qualquer participação sindical;

No sentido de ser um golpe continuado, ao assumir a presidência Bolsonaro baixou seu tacão e de começo foi logo extinguindo o Ministério do Trabalho (criado em 1930 por Getúlio e – desde lá – sempre existindo em todos os governos), sendo ele transformado numa secretaria, 1º do Ministério da Justiça do Ministério (de Sérgio Moro) e depois do Ministério da Economia (de Paulo Guedes). Mas foi só o começo, pois Bolsonaro também tem seus “acertos” a fazer, e continuou a obra de retiradas de direitos, aproveitando inclusive a pandemia para justificá-las.

Das medidas de desmonte dos direitos trabalhista de Bolsonaro e seus principais efeitos destacamos:[22]

– Lei 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica) – prática tornou-se uma “mini-reforma trabalhista” extremamente prejudicial aos trabalhadores. Concretamente, da nova lei, os efeitos são: ampliou para todos os setores de atividade a regra que autoriza o trabalho aos domingos, com a folga em dias úteis; criou o chamado “ponto por exceção”, modalidade em que o trabalhador não precisa registrar o ponto todos os dias – o que também tira da Fiscalização do Trabalho importante instrumento para verificação dos excessos de jornada; e para passar toda “a boiada”, passou a impedir que empregador tenha seus bens usados para saldar dívidas de sua firma, sejam fiscais ou trabalhistas;

– Medida Provisória 905/2019 (MP da Carteira Verde Amarela) – mesmo que a MP tenha sido revogada, não podemos nos furtar de explicitar o pacote de maldades contra as classes trabalhadoras (inclusive tais ideias ainda estão no horizonte de Bolsonaro, e podem retornar). Com a MP Bolsonaro buscou expandir a precarização das relações do trabalho, numa mãozada só ele queria: criar modalidade contratual nova, o “Contrato Verde e Amarelo”, com direitos reduzidos; impor novas regras de trabalho aos domingos, de descanso semanal remunerado, de jornada no setor bancário, de concessão do vale-alimentação, de regras sobre Participação nos Lucros ou Resultados (PLR); e alterar os mecanismos de fiscalização exercido pelos órgãos estatais;

– MP´S nº927 e nº 936 (Suspensão e Redução na Pandemia), de 2020 editadas para regular o trabalho durante a pandemia e para reduzir jornada e suspender contratos de trabalho, desobrigando a presença sindical nas negociações coletivas. Elas asseguraram poderes aos empregadores para disporem do tempo, da remuneração e da forma da vida de seus empregados;

– Resolução 839 (Esvaziamento do CODEFAT), de 2019  – retira do Conselho Deliberativo do FAT (CODEFAT) duas de suas principais funções: elaboração de diretrizes para programas e para alocação de recursos; e acompanhamento e avaliação seu impacto social e aperfeiçoamento da legislação referente às políticas; também retira do Conselho as atribuições de acompanhar o financiamento de programas de educação profissional/tecnológica e de desenvolvimento econômico; e reduz a participação de empregados e empregadores nas decisões referentes ao uso dos recursos do FAT.

– PEC 32/2020 (PEC da Reforma Administrativa) – momentaneamente parada no Congresso Nacional (Bolsonaro e seus aliados ainda não conseguiram maioria necessária para aprová-la, graças a intensa luta travada pelos servidores), O texto permite que a Administração Pública possa ser composta totalmente por temporários e terceirizados, tornando desnecessário realização de concursos públicos, um verdadeiro retrocesso para o serviços públicos e para sociedade em geral, que terá um serviço público sucateado e de menor qualidade. A Reforma, na verdade, significa: 1) Fragilização da estabilidade; 2) Redução de jornada e salários; 3) Avaliação de desempenho com regras pouco claras e sem segurança jurídica para os servidores; 4) Cargos públicos passam a pertencer ao Governo e não ao Estado; 5) Apadrinhamento político etc.[23]

Como pudemos ver, o processo golpista desencadeou uma avalanche de ataques e desmontes dos direitos conquistados pela população brasileira, proporcionou um retrocesso histórico. E para estancar os ataques precisaremos aglutinar amplas forças sociais, comprometidas em recuperar o papel do Estado democrático, construir políticas de inclusão social para população trabalhadora necessitada, fortalecer o setor produtivo e alavancar um desenvolvimento soberano, enfim, oferecer condições de vida digna para a classes trabalhadoras, em termos de emprego e distribuição de renda.

A batalha será hercúlea, mas estamos nas fileiras, temos LADO, e não iremos esmorecer!!!

NOTAS

[1] Fala do ex-presidente Lula em entrevista concedida a Rádio de Passos – MG, em 22/02/2022 (52’, 20’’);

[2] NETO (2014, p. 74);

[3] MAIOR (2014);

[4] GUISONI (2014, p. 28);

[5] SOUZA (1980, P. 248);

[6] MAIOR (2014);

[7] Idem;

[8] Idem;

[9] HORIE (2019, p. 51-52);

[10] NETTO (2014, p. 93);

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

– Brasil: cinco anos de golpe e destruição / apresentação Dilma Rousseff – São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2021;

– GUISONI, Divo (Org.). O livro negro da ditadura militar. São Paulo, Editora Anita Garibalde, 2014;

– HORIE, Leandro. Salários e distribuição de renda: a política salarial do PAEG. Revista Leituras de Economia Política – Nº 29, Campinas, p. 50-67, 2019;

– MAIOR, Jorge Luiz Souto. 12 Efeitos negativos do golpe de 64 nos direitos trabalhistas. Blog da Boitempo, publicado em 23/04/2014;

– NETTO, José Paulo. Pequena história da ditadura militar brasileira (1964-1985). São Paulo, Editora Cortez, 2014.

– SOUZA, Nilson Araújo. Crisis e Lucha de Classes en Brasil – 1974-1979. Tese de doutoramento em Economia, Faculdade de Economia, Universidade Autônoma do México – UNAM, 1980;

Comentários


© 2023 por Espedito Fonseca & Advogados Associados

bottom of page